sábado, 20 de novembro de 2010

Sete Dons do Espírito Santo

Os Sete Dons do Espírito Santo são os valores centrais que se procuram no culto ao Divino Espírito Santo na forma como é praticado entre os devotos do culto nos Açores e nas regiões das Américas onde se sente a influência da imigração açoriana. Apesar de terem a sua origem no culto e pensamento da Igreja Católica Romana, a forma como os dons do Espírito Santo são hoje encarados diferem marcadamente da ortodoxia católica e das raízes bíblicas subjacentes.
Na realidade, os sete dons diferem marcadamente no seu conceito, e até em número, daqueles que são aceites pela generalidade das igrejas cristãs, já que na Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios (12.8-11), é dito que os dons do Espírito Santo são nove, e não sete como aceite no culto popular.
Longe das discussões teológicas e doutrinárias, os sete dons, associados à esperança da chegada de um novo mundo, mais justo e sábio, são o que une os devotos do culto do Divino Espírito Santo, num contínuo doutrinário que assenta no joaquimismo medieval, e hoje dá vida às Irmandades do Divino Espírito Santo.
A melhor definição destes dons é aquela que vem directamente do povo que os sente. Para isso vale a pena, recorrer ao depoimento de um lavrador já octogenário da ilha Terceira, Açores, chamado Gregório Machado Barcelos, recolhido em 1996 por José Orlando Bretão. Nele encontra-se, vertida no sabor do vernáculo popular e da tradição oral[1], toda a súmula doutrinária e de bom comportamento social que tem por centro e por representação o Espírito Santo. Aquele idoso, quando lhe foi perguntado o que sabia acerca dos dons do Espírito Santo, utilizando a linguagem e os conceitos típicos do culto ao Divino nos Açores, respondeu[2]:
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É bom que o senhor me pergunte, porque acho que na cidade falam, falam e acertam pouco. Sem ofensa, até acho que não sabem nada, de nada. Mas eu digo como é que meu pai dizia e o pai dele lembrava muitas vezes como era. Eu digo que os dons do Espírito Santo são sete e são sete porque é assim mesmo, é um número que vem dos antigos, como as sete partidas do Mundo ou os sete dias da semana e não vale a pena estar a aprofundar muito porque não se chega a lado nenhum e só complica. E o primeiro dom do Espírito Santo é a Sabedoria – é o dom da inteligência e da luz. Quem recebe este dom fica homem de sabença. Os apóstolos estavam muito atoleimados e cheios de cagança e veio o Divino que botou o lume nas cabeças deles e eles ficaram mais espertinhos. Depois vem o dom do Entendimento. Este está muito ligado ao outro, mas aqui, quer dizer mais a amizade, o entendimento, a paz entre os homens. Este é assim: o Senhor Espírito Santo não é de guerras e quem tiver pitafe dum vizinho deve de fazer logo as pazes que é para ser atendido. E o terceiro dom do Espírito Santo é o do Conselho – o Espírito Santo é que nos ilumina a indica o caminho. É a luz, o sopro ou seja, o espírito. É por isso que tem a forma de uma Pomba, porque tudo cria e é amor e carinho. O quarto dom é o da Fortaleza, que vem amparar a nossa natural fraqueza – com este dom a gente damos testemunho público, não temos medo. Quem tem o Senhor Espírito Santo consigo tem tudo e pode estar descansado. Depois vem o dom da Ciência, do trabalho e do estudo. O saber porque é que as coisas são assim e não assado. É não ser toleirão nem atorresmado como muitos que há para aí. O senhor sabe! O dom da Piedade e da humildade é o sexto dom. Quer dizer que o Senhor Espírito Santo não faz cerimónia nem tem caganças. Assim os irmãos devem ser simples e rectos. E depois, por derradeiro, vem o sétimo dom que é o Temor mas não é o temor de medo. É o temor de respeito – para cá e para lá. A gente respeita o Espírito Santo porque o Senhor Espírito Santo respeita a gente. Temor não é andar de joelhos esfolados ou pés descalços a fazer penitências tolas: é fazer mas é bodos discretos com respeito mas alegria que o Espírito Santo não tem toleimas nem maldades escondidas. É isto que são os sete dons do Espírito Santo e o senhor se perguntar por aí ninguém vai ao contrário, fique sabendo.
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Este culto e estes conceitos, apesar de nem sempre terem tido uma convivência pacífica com a hierarquia católica nas ilhas, acabaram por ganhar aceitação generalizada, como aliás o demonstram a adesão popular às cerimónias do Espírito Santo e a crescente ligação entre estas e a igreja. Aliás, foi simbólico o facto do bispo de Angra, D. António de Sousa Braga, ter presidido em 1997 ao terço do Espírito Santo em São Carlos, dando simbolicamente àquele culto a sanção oficial da Igreja Católica.

Origem bíblica

Os Sete Dons do Espírito Santo, exactamente como são citados pela tradição católica e que se tornaram fonte de devoção popular, são enumerados na Bíblia no versículo 2 do capítulo 11 do Livro do Profeta Isaías: "Sobre ele repousará o Espírito do Senhor, espírito de SABEDORIA e de ENTENDIMENTO, espírito de CONSELHO e de FORTALEZA, espírito de CIÊNCIA (e de PIEDADE*) e de TEMOR DE DEUS" (*Vulgata). A lista de nove itens encontrada no versículo 22 do capítulo 5 da Epístola de Paulo aos Gálatas se refere aos frutos do Espírito: "Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, temperança (autodomínio)". Nos versículos 8 a 10 do capítulo 12 da Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios são enumerados nove dons do Espírito e no versículo 28 mais alguns. Numerosos hermeneutas e exegetas da Bíblia entendem que essas listas de enumerações são exemplificativas, que os dons do Espírito são de infinita diversidade, pois "há diversidade de dons e cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para o que for útil para todos" (cf. 1Cor 12, 4-7). Segundo esses estudiosos, o número sete no contexto bíblico significa universalidade, totalidade, perfeição; receber os sete dons do Espírito significa, portanto, receber todos os seus inúmeros dons.

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