sábado, 19 de novembro de 2011

Nomes com origem africana são herança que cruzaram os mares

Cubango, Badu, Engenho do Mato, Engenhoca e Morro do Bumba são exemplos dessa influência que foram identificados em uma pesquisa realizada por Délcio Teobaldo

Apesar de Niterói ter sido batizada com um nome indígena – Águas Escondidas –, muitos bairros e localidades da cidade têm em comum o fato de possuírem nomes de origem africana ou terem ligações profundas com a cultura e história negra. Cubango, Badu, Engenho do Mato, Engenhoca e Morro do Bumba são exemplos dessa influência que foram identificados em uma pesquisa realizada pelo jornalista, escritor e cineasta, Délcio Teobaldo.
Teobaldo conta que a ideia de resgatar a memória de localidades de Niterói surgiu quando ele veio morar na cidade, nos anos 70. Nascido e criado em Ponte Nova, na Zona da Mata mineira, ele explica que teve uma educação marcada pela oralidade dos avós portugueses, maternos, e angolanos, paternos. Palavras como curimbanda, marimbondo, embambe, fizeram parte da sua infância e adolescência e quando se mudou para o Rio e, depois para Niterói, escutou essas mesmas palavras faladas por moradores do Cubango e do complexo formado pelos morros do Africano e do Bumba. 
“Quando você faz incursões nessas culturas, o interessante é que seus sentidos ficam atentos a tudo. Foi procurando esses modelos que, de Niterói, ampliei o olhar para São Gonçalo, levado pelas palavras Itaitindiba, Itaóca, Colubandê, que identificam bairros onde as culturas dos pretos e indígenas miscigenaram. Nos 90, esses caminhos me levaram ao quilombo do Bracuhy, em Angra dos Reis, onde rodei meu primeiro filme, ‘Morre Congo, fica Congo’, e a dimensão que este documentário teve dentro e fora do Brasil me fez entender como minha herança é uma moeda muito valiosa, apesar de isto ser negado ou oculto”, explica Délcio Teobaldo.
O estudioso fala da importância de fazer com que as novas gerações conheçam essas memórias das culturas afro-brasileiras para que se reconheçam como cidadãos. Teobaldo destaca que esta conscientização do protagonismo do negro no processo civilizatório deve ser efetiva.
Falta à história oficial reconhecer que em jornadas como as Entradas e Bandeiras do Brasil colônia, à frente dos bandeirantes, iam os negros mateiros, abrindo os caminhos com foices e facões; iam os tropeiros ordenando a rota das mulas. Não reconhecer isto é o mesmo que sambar, comer feijoada e usar balangandãs, ignorando, solenemente, que está praticando um rito negro sagrado: o festar, o comungar e o seduzir”, pondera Teobaldo.
Remanescente de quilombolas, José Renato Gomes da Costa, de 45 anos, transformou o sítio herdado do seu avô, no bairro do Engenho do Mato, em Niterói – que era uma grande fazenda – em um espaço voltado para manifestações e preservação da cultura negra. No Quilombo do Grotão, ele promove aulas de capoeira gratuitas para a comunidade, além de rodas de jongo, samba e da tradicional feijoada. 
“Meu avô, que era descendente de escravos, recebeu esse sítio do dono da Fazenda Engenho do Mato, quando a mesma faliu, como pagamento pelos serviços prestados durante toda a vida. A Justiça considera a minha família uma comunidade tradicional quilombola e, por isso, resolvi abrir as portas do sítio para o resgate da cultura negra. Hoje, um jovem carente não tem condições de fazer uma aula de capoeira, que faz parte das suas raízes. Parte dos recursos arrecadados nos eventos é destinada aos projetos sociais”, explicou Renato do Quilombo. 
Escavações – Délcio Teobaldo está desenvolvendo, em parceria com a professora Martha Abreu, do Laboratório de História Oral da Universidade Federal Fluminense (UFF), um trabalho de resgate da cultura negra a partir das memórias do Valongo, antigo cais na zona portuária da cidade do Rio que servia de mercado para a comercialização de escravos, que tem ressurgido das escavações das obras para o Porto Maravilha. 
A professora Martha Abreu lembra que é preciso reconhecer que essa população de origem africana foi muito importante para o desenvolvimento do Brasil e que o sofrimento desse povo não pode ser esquecido. Ela ressalta que a modernização do Porto Maravilha não pode continuar a esquecer esse passado.  
“Em geral, a história das cidades acaba produzindo uma série de esquecimentos sobre o passado negro escravista. O Rio foi a maior cidade escravista das Américas e pouco se fala disso. Reconhecer que essa população foi muito importante para o Brasil e o seu sofrimento é fundamental. Quando não se fala desse passado, não é dada a devida importância que merece esse grupo da sociedade”, acredita a historiadora.
Umbanda nasceu em São Gonçalo

A demolição da casa da Rua Floriano Peixoto, em Neves, em outubro, chamou a atenção para a origem da religião Umbanda no Brasil. No endereço em São Gonçalo, morava a família de Zélio Fernandino de Morais, que em 1908, com 17 anos, se preparando para ingressar na Marinha, sofreu uma paralisia. Segundo relatos da época, ele um dia levantou da cama sozinho e foi aconselhado a trabalhar a mediunidade. Um amigo da família sugeriu uma visita à Federação Espírita do Estado do Rio, em Niterói. Zélio foi convidado a participar de uma sessão, tomando lugar à mesa.
“Se julgam atrasados os espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã darei início a um culto. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos”, teria dito Zélio, de acordo com os estudiosos da religião. 
O início da Umbanda, ou “manifestação do espírito para a caridade”, ocorreu em Neves, 18 anos após a emancipação política de São Gonçalo em relação a Niterói. Talvez esta seja a origem da confusão dos que apontavam Niterói como berço da Umbanda. 
Para o presidente da Sociedade de Artes e Letras de São Gonçalo e vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura da cidade, Alexandre Martins, a memória precisa ser preservada.
“O fato de a casa ter sido demolida é uma pena, mas não tira da cidade o marco de ser o berço de uma religião genuinamente brasileira e não impede que sejam feitas homenagens à Umbanda e sua cultura, que deve ser preservada. Os preceitos da religião visam o negro e o índio brasileiro”, lembra Martins. 
Muito começou por Abdias

Abdias Nascimento viveu o suficiente para ver muitos pontos das conquistas do movimento negro que ajudou a fundar. Pouco antes de morrer, aos 97 anos, em maio deste ano, o ativista esteve entre os convidados para o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no Rio, em março. 
“O fato de terem eleito um presidente negro é uma lição para o Brasil”, disse na ocasião.
No domingo passado, como último desejo, as cinzas de Abdias foram depositadas na Serra da Barriga, em União dos Palmares, Alagoas, palco da resistência de Zumbi.
Ex-senador fluminense pelo PDT, Abdias era suplente de Darcy Ribeiro e, com a morte do pedagogo, assumiu a cadeira entre 1996 e 1999, após ter ocupado o mandato interinamente em 1991. Antes, foi deputado federal pelo PDT (1983-87) e secretário de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Estado do Rio de Janeiro, no Governo Leonel Brizola (1991-94). Depois, Abdias foi o primeiro titular da Secretaria Estadual de Cidadania e Direitos Humanos (1999-2000), no governo Anthony Garotinho.
Paulista de Franca, Abdias desde jovem lutou contra a segregação racial. Levou a luta para os versos, como poeta, e depois para o teatro. Em 1944, fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro, para onde veio concluir o curso de Economia. O TEN revelou nomes como o da atriz Ruth de Souza e inspirou outros grupos. 
Abdias organizou o 1º Congresso do Negro Brasileiro em 1950, apoiando sempre as lutas dos trabalhadores. Com o golpe de 1964, ficou nos EUA, aonde lecionou, escreveu livros e expôs os quadros que pintava. De volta ao Brasil, fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro). Por toda a trajetória de batalhas, ele teve seu nome indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2010.
Homenagens – Na próxima quinta-feira, às 21h, os poemas de Abdias serão lembrados no projeto Corujão da Poesia, no Oi Futuro de Ipanema, no Rio. No dia 28, o autor também será homenageado, no Teatro Machado de Assis da Biblioteca Nacional, às 18h, no lançamento da coleção “Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica”. 
Maricá – Em uma proposta inspirada no esforço de Abdias Nascimento, o novo secretário municipal de Cultura de Maricá, Ricardo Cravo Albin, pretende transformar a Casa de Cultura da cidade no Centro do Negro Brasileiro, com um andar voltado para exposições de convergência da cultura negra e outra para exposições itinerantes. 
O projeto, que está sendo elaborado pela equipe responsável pela restauração da Casa Darcy Ribeiro, que fica no bairro da Barra, em Maricá, será executado e entregue no ano que vem. Na próxima sexta-feira, a casa de Cultura será sede de uma exposição sobre Abdias. 
Dia de comemorações

O Dia Nacional da Consciência Negra será celebrado hoje com diversos festejos e manifestações. Em Niterói, duas festas marcam a data. Uma delas será realizada na Praça Leoni Ramos, em São Domingos, pela Organização Cidadania e Movimento (OMC), e a outra festa vai ocorrer no Quilombo do Grotão, no Engenho do Mato.  
De acordo com a coordenadora da ONG OMC, Verônica Lima, para esta segunda edição do evento Viva Zumbi Niterói, a expectativa da organização do evento é de um público de mais de 2 mil pessoas. As celebrações começam às 12 horas, quando será servida uma feijoada de graça. 
Na sequência, se apresentarão grupos de jongo, hip hop, capoeira e pagode. A programação será fechada com uma roda de samba liderada pelo músico Marquinho Diniz, que entra às 19 horas, e, em seguida, pela bateria da Escola de Samba Unidos do Viradouro, às 20h30.
“É um evento festivo, mas tem um cunho de relembrar a história do símbolo da resistência negra contra a escravidão, Zumbi dos Palmares, e resgatar para a cidade diversas expressões da cultura afro-brasileira. A ideia do evento é fazer com que o Viva Zumbi Niterói entre no calendário permanente da cidade de Niterói”, espera a organizadora do evento. 
Feijoada - No Quilombo do Grotão, no Engenho do Mato, a feijoada também faz parte do cardápio da festa de comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra. O grupo Choro Malandro e uma roda de capoeira vão se apresentar no evento, que começa às 13 horas. O couvert artístico custa R$ 10.