sexta-feira, 18 de março de 2011

CAMPO DE SÃO BENTO - FOTOS





















Apresentação - Almas gêmeas Niterói e Rio de Janeiro

Cidades têm alma? Se têm, seguramente o Rio e Niterói são almas gêmeas.

Niteroienses e cariocas se interligam irmanados em torno da mais linda baía do mundo. Esse paraíso na terra tem seus caprichosos contornos desenhados do lado de cá e do lado de lá do mar: verdes de vegetação – que queremos sempre verdes – debruçados sobre o azul do mar, que às vezes se transfiguram em verdes claros ou escuros, na ondulação que reflete um céu como não há outro no mundo; céu coalhado de estrelas, como se a Via Láctea, com o Cruzeiro do Sul dependurado em seu seio luminoso, não encontrasse espelho melhor para se mirar. E mesmo os paredões de arranha-céus se humanizam – Icaraí de uma lado, Copacabana de outro -, com curvaturas sinuosas ajudando a formar o cartão postal perene e grandioso, que encanta os turistas do mundo todo e do próprio Brasil.Cidades têm alma? Se têm, seguramente o Rio e Niterói são almas gêmeas.
Independentemente de fusões e desfusões, essas almas citadinas sempre foram interligadas, durante séculos, quando o Rio exibia orgulhoso a condição de capital do país e Niterói ostentava, igualmente com orgulho, seu status de capital do Estado do Rio.

Lembremo-nos de que, há muitos séculos, as águas então límpidas da Baía de Guanabara eram singradas pelos barcos velozes de altivos e corajosos guerreiros, como Araribóia, esse filho de Maracajá-Guaçu e cacique da tribo dos Temiminós, que se bateu por toda a terra, sua terra, independente dos lados de cá e de lá.

A ponte somente aproximou fisicamente esses dois lugares, cujas almas de cidade sempre estiveram em simbiose. Ir trabalhar no Rio, para os fluminenses, sempre foi habitual; veranear em Niterói, uma dádiva para os cariocas.

Os corações das duas cidades sempre estiveram ligados por veias e artérias, das quais a ponte é apenas mais uma, talvez a que tenha levado para o outro lado, ainda bem provinciano, a contaminação das mazelas urbanas da cidade maior e cosmopolita, que o Rio sempre foi.
Outras ligações, mais lentas e românticas, são as barcas, hoje também aceleradas com as versões de aerobarcos e catamarãs. Geniais meios de transporte, as barcas sempre foram mirantes móveis e privilegiados. Atravessar a baía, mesmo rumo a um trabalho estafante sempre garantiu aos passageiros o bálsamo de uma viagem tranqüila, que acalma os espíritos mais preocupados, as mentes mais estressadas. Antigamente, meia hora, vinte minutos, hoje em tempo mais reduzido nos barcos mais rápidos – não importa: o remédio benfazejo é o mesmo.


Almas gêmeas de duas cidades muito belas, com tanta afinidade que até as piadas, de parte a parte, mal escondem o carinho trocado entre cariocas e “papa-goiabas”.

Oxalá haja sempre, e cada vez mais, cidades que possam viver assim, como almas gêmeas. Gêmeas porém diferentes, com respeito à riqueza de diversidade.

Longe de serem alienados – ignorando suas mazelas político-sociais, econômicas e a realidade cruel da miséria e da violência – niteroienses e cariocas têm a plena consciência do que são e do que almejam, e também do que desejam para suas maravilhosas cidades.

Niteroienses por nascimento ou, como eu, por adoção voluntária e a cada dia mais gostosamente reafirmada, são apaixonados por sua cidade. E sorriem, maravilhados, ao ver em Niterói tantos cariocas e toda uma brasileirada de outros Estados. Sorriem hospitaleiramente – até porque cada niteroisense é a manifestação viva, real, concreta, incontestável do carinhoso apelido pelo qual nossa cidade é conhecida: Cidade Sorriso.

MERCADO DE PEIXE EM NITEROI

Educar e catequizar. Este era o lema dos jesuítas, essa brava coorte de religiosos fundada por Santo Ignácio de Loyola, ele mesmo um soldado convertido.

Organizadíssimos, os jesuítas impregnaram nossa nacionalidade. Basta lembrar que lhes pode ser tributada grande parte da preservação da unidade nacional, por conta de seu empenho na criação de uma língua geral neste mundaréu tropical a que chegaram as caravelas de Cabral.

Porém, mais decisiva ainda foi sua influência na história da educação brasileira. Durante 210 anos, esses “soldados de Cristo” comandaram a educação no Brasil, até sua expulsão, por ordem do famoso Marquês de Pombal.

Pondo em prática a missão prevista em seu lema, os jesuítas disseminaram pelas terras brasílicas os dois instrumentos de sua ação: igrejas e escolas.

Quando se foram, os padres da Companhia de Jesus deixaram em milhares de outeiros, em pequenos lugarejos por eles mesmo fundados, ou em cidades maiores, igrejas e capelas que fizeram construir. Uma delas ali está, quase debruçada sobre o mar: é a Igreja de São Francisco.

De longe, parece uma igrejinha frágil, de uma fragilidade bela, com seu branco e azul bem integrado à paisagem. Mas de perto, apesar das relativamente pequenas dimensões, mostra uma impressionante solidez, como a testemunhar o empenho e a coragem com que as casas de Deus eram construídas, nessa guerra de colonização em busca da conquista dos corpos e das almas dos gentios.

Até pouco tempo o bairro de São Francisco era denominado “Saco de São Francisco”, nome que o purismo de alguns baniu, mas que continua a ser usado pelos niteroienses zelosos de seu passado e de suas tradições. Esse “saco” seria, quase com certeza, o fundo da Baía de Guanabara. E a história da igreja começa aí, em meados do século XVII, quando foram mensuradas as “terras do saco”, onde havia, além da aldeia indígena de São Lourenço, a fazenda do Capitão Mateus Antunes, mais tarde vendida aos jesuítas.

Entre 1662 e 1696, foi construída a capela, cujo autor provável é o arquiteto jesuíta Lourenço Gonçalves.

Quando os jesuítas foram expulsos, seus bens foram vendidos. A construção só voltaria a ser propriedade da Igreja por ocasião da Proclamação da República.

Vemos que a história concede importância àquela igrejinha. No entanto, sua majestade parece vir mesmo de sua existência, simples e bela, num lugar de onde nossa visão domina a praia, com as águas parecendo formar um imenso e indócil tapete verde, com suas pregas do ir e vir das ondas.

Raros lugares oferecem tanta paz para a contemplação, tanto da paisagem quanto do interior de nós mesmos. É gostoso estar ali; deixar-se ficar, simplesmente, olhando as folhas que caem serenamente de mangueiras centenárias; vendo barquinhos de regatas enfunando suas velas brancas, como a repetir um passado de onde se avistavam garbosas naus; ou simplesmente vendo o sol se pôr sobre a Baía de Guanabara, como não se põe sobre nenhum outro lugar do mundo.

Vez por outra, a igrejinha se engalana. São os niteroienses que resolvem fazer da capela e de sua área externa o lugar sagrado de sua união em casamento. Então, a veneranda igrejinha se adapta aos tempos, e acolhe desde convivas preocupados com a própria elegância e suas convenções à cerimônia sempre tocante da união conjugal.

Santo Ignácio de Loyola e o próprio São Francisco certamente se sentiriam à vontade nesse pequeno grande templo à beira do mar. Como neles, e em suas vidas e obras dedicadas a Deus, há simplicidade, beleza, humildade, fortaleza voltada para o bem, louvor ao espírito, fé…

IGREJA DE SÃO FRANCISCO EM NITEROI

Educar e catequizar. Este era o lema dos jesuítas, essa brava coorte de religiosos fundada por Santo Ignácio de Loyola, ele mesmo um soldado convertido.

Organizadíssimos, os jesuítas impregnaram nossa nacionalidade. Basta lembrar que lhes pode ser tributada grande parte da preservação da unidade nacional, por conta de seu empenho na criação de uma língua geral neste mundaréu tropical a que chegaram as caravelas de Cabral.

Porém, mais decisiva ainda foi sua influência na história da educação brasileira. Durante 210 anos, esses “soldados de Cristo” comandaram a educação no Brasil, até sua expulsão, por ordem do famoso Marquês de Pombal.

Pondo em prática a missão prevista em seu lema, os jesuítas disseminaram pelas terras brasílicas os dois instrumentos de sua ação: igrejas e escolas.

Quando se foram, os padres da Companhia de Jesus deixaram em milhares de outeiros, em pequenos lugarejos por eles mesmo fundados, ou em cidades maiores, igrejas e capelas que fizeram construir. Uma delas ali está, quase debruçada sobre o mar: é a Igreja de São Francisco.

De longe, parece uma igrejinha frágil, de uma fragilidade bela, com seu branco e azul bem integrado à paisagem. Mas de perto, apesar das relativamente pequenas dimensões, mostra uma impressionante solidez, como a testemunhar o empenho e a coragem com que as casas de Deus eram construídas, nessa guerra de colonização em busca da conquista dos corpos e das almas dos gentios.

Até pouco tempo o bairro de São Francisco era denominado “Saco de São Francisco”, nome que o purismo de alguns baniu, mas que continua a ser usado pelos niteroienses zelosos de seu passado e de suas tradições. Esse “saco” seria, quase com certeza, o fundo da Baía de Guanabara. E a história da igreja começa aí, em meados do século XVII, quando foram mensuradas as “terras do saco”, onde havia, além da aldeia indígena de São Lourenço, a fazenda do Capitão Mateus Antunes, mais tarde vendida aos jesuítas.

Entre 1662 e 1696, foi construída a capela, cujo autor provável é o arquiteto jesuíta Lourenço Gonçalves.

Quando os jesuítas foram expulsos, seus bens foram vendidos. A construção só voltaria a ser propriedade da Igreja por ocasião da Proclamação da República.

Vemos que a história concede importância àquela igrejinha. No entanto, sua majestade parece vir mesmo de sua existência, simples e bela, num lugar de onde nossa visão domina a praia, com as águas parecendo formar um imenso e indócil tapete verde, com suas pregas do ir e vir das ondas.

Raros lugares oferecem tanta paz para a contemplação, tanto da paisagem quanto do interior de nós mesmos. É gostoso estar ali; deixar-se ficar, simplesmente, olhando as folhas que caem serenamente de mangueiras centenárias; vendo barquinhos de regatas enfunando suas velas brancas, como a repetir um passado de onde se avistavam garbosas naus; ou simplesmente vendo o sol se pôr sobre a Baía de Guanabara, como não se põe sobre nenhum outro lugar do mundo.

Vez por outra, a igrejinha se engalana. São os niteroienses que resolvem fazer da capela e de sua área externa o lugar sagrado de sua união em casamento. Então, a veneranda igrejinha se adapta aos tempos, e acolhe desde convivas preocupados com a própria elegância e suas convenções à cerimônia sempre tocante da união conjugal.

Santo Ignácio de Loyola e o próprio São Francisco certamente se sentiriam à vontade nesse pequeno grande templo à beira do mar. Como neles, e em suas vidas e obras dedicadas a Deus, há simplicidade, beleza, humildade, fortaleza voltada para o bem, louvor ao espírito, fé…

JARDIM ECLÉTICO - NITEROI

Um pequeno jardim com dois tipos de flores. Explico-me.

O jardim está na Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF. As flores, temos as naturais, vegetais, em meio às árvores centenárias, felizmente preservadas. E as flores humanas, que transitam de cá para lá, na forma de moças e rapazes, exibindo o viço e a exuberância da juventude.

Na manhã de sol, sento-me no banco sob a benfazeja sombra e faço do local meu observatório privilegiado.

O movimento é grande, de alunos, professores, funcionários – todos imersos na funcionalidade do cotidiano, sem tempo para um olhar poético que faça jus à beleza do lugar.

Em meio ao jardim, dois prédios, o Casarão e o Chalet.

O casarão, construção imponente do início do século vinte, abriga a Escola, oferecendo, por dentro, espaço amplo, de muitas salas, com seu pé-direito alto, generoso para com a necessidade de grandes colunas de ar circulante, sabedoria arquitetônica que combina a esperteza portuguesa de adaptação aos trópicos calorentos com a praticidade inglesa. Tudo complementado por imensas portas e grandes janelões que, postados nos cômodos uns defronte de outros, permitem que o ar da manhã, a brisa da tarde ou o vento da noite circulem livres, refrescantes, num outro recurso esperto para a vida saudável herdado de nossos avozinhos d’além-mar.

Essa casa imensa e bem bonita foi construída em 1917, pelos ingleses, para abrigar os funcionários da Western Telegraph Company. Ah, os tempos em que o utilitarismo ainda cedia um pouco de espaço para a beleza...

No fundo do terreno, a outra construção, maravilhosa flor de romantismo arquitetônico plantada nesse jardim.


O nome já é de uma doçura e de uma elegância sem igual: chalet. Essa denominação de herança francesa soma-se, então, à visão portuguesa tropicalizada e ao pragmatismo romântico dos ingleses.

O chalet é bem mais antigo que o casarão. Foi edificado pelo português Francisco Manuel da Silva Rocha em 1888.

Nesta manhã em que o observo, o chalet mostra-se em todo o seu esplendor. Contra o céu azul, exibe-se o rendado caprichoso da madeira recortada por geniais artesãos portugueses para compor o frontão em forma de triângulo e o delicado desenho nos beirais. Por entre os arabescos (caramba, também os árabes estão presentes via Península Ibérica!), o céu azul de Niterói se apresenta como o fundo ideal, destacando os inacreditáveis detalhes, presentes também no gradeado de ferro da varanda.

Essa jóia de arquitetura romântica foi construída pensando-se também na solidez, revelada pelas grossas paredes. E os assoalhos – que infelizmente não resistiram a algumas descuidadas reformas – tinham a nobreza e a qualidade do onipresente pinho-de-riga, assoalhos que, toda vez que vejo nos belos casarões brasileiros, me fazem ver e ouvir, na memória, a suntuosidade e a animação dos bailes imperiais, que faziam arrastar sobre os pisos de madeira nobre os fru-frus das saias imensas e de muitas camadas.


Um detalhe curioso e importante me traz de volta à realidade de hoje: faixas exibem palavras de ordem escritas por grevistas, com suas justas reivindicações de estudantes e professores por melhor ensino e melhores salários.

À contragosto levanto-me de meu banco à sombra de ficus e mangueiras mais do que centenários. Cruzo o jardim vagarosamente, pensando o quanto este lugar contribui para a formação de profissionais de arquitetura e urbanismo. Oxalá eles sejam, mesmo, influenciados pela belezura do chalé e pelo romantismo pragmático do casarão, tornando-se, para sempre, em defensores da beleza e da humanidade em seu campo de trabalho.

Vou-me embora, seguindo em meu passeio, mas levo comigo o gosto por esse lugar onde se combina tão bem a genialidade arquitetônica e um romantismo que resiste e embala nossa esperança.

*Os dados constantes desta crônica foram obtidos no livro Niterói: Patrimônio Cultural. Rio de Janeiro: Niterói Livros, 2000.