sábado, 19 de novembro de 2011

Nomes com origem africana são herança que cruzaram os mares

Cubango, Badu, Engenho do Mato, Engenhoca e Morro do Bumba são exemplos dessa influência que foram identificados em uma pesquisa realizada por Délcio Teobaldo

Apesar de Niterói ter sido batizada com um nome indígena – Águas Escondidas –, muitos bairros e localidades da cidade têm em comum o fato de possuírem nomes de origem africana ou terem ligações profundas com a cultura e história negra. Cubango, Badu, Engenho do Mato, Engenhoca e Morro do Bumba são exemplos dessa influência que foram identificados em uma pesquisa realizada pelo jornalista, escritor e cineasta, Délcio Teobaldo.
Teobaldo conta que a ideia de resgatar a memória de localidades de Niterói surgiu quando ele veio morar na cidade, nos anos 70. Nascido e criado em Ponte Nova, na Zona da Mata mineira, ele explica que teve uma educação marcada pela oralidade dos avós portugueses, maternos, e angolanos, paternos. Palavras como curimbanda, marimbondo, embambe, fizeram parte da sua infância e adolescência e quando se mudou para o Rio e, depois para Niterói, escutou essas mesmas palavras faladas por moradores do Cubango e do complexo formado pelos morros do Africano e do Bumba. 
“Quando você faz incursões nessas culturas, o interessante é que seus sentidos ficam atentos a tudo. Foi procurando esses modelos que, de Niterói, ampliei o olhar para São Gonçalo, levado pelas palavras Itaitindiba, Itaóca, Colubandê, que identificam bairros onde as culturas dos pretos e indígenas miscigenaram. Nos 90, esses caminhos me levaram ao quilombo do Bracuhy, em Angra dos Reis, onde rodei meu primeiro filme, ‘Morre Congo, fica Congo’, e a dimensão que este documentário teve dentro e fora do Brasil me fez entender como minha herança é uma moeda muito valiosa, apesar de isto ser negado ou oculto”, explica Délcio Teobaldo.
O estudioso fala da importância de fazer com que as novas gerações conheçam essas memórias das culturas afro-brasileiras para que se reconheçam como cidadãos. Teobaldo destaca que esta conscientização do protagonismo do negro no processo civilizatório deve ser efetiva.
Falta à história oficial reconhecer que em jornadas como as Entradas e Bandeiras do Brasil colônia, à frente dos bandeirantes, iam os negros mateiros, abrindo os caminhos com foices e facões; iam os tropeiros ordenando a rota das mulas. Não reconhecer isto é o mesmo que sambar, comer feijoada e usar balangandãs, ignorando, solenemente, que está praticando um rito negro sagrado: o festar, o comungar e o seduzir”, pondera Teobaldo.
Remanescente de quilombolas, José Renato Gomes da Costa, de 45 anos, transformou o sítio herdado do seu avô, no bairro do Engenho do Mato, em Niterói – que era uma grande fazenda – em um espaço voltado para manifestações e preservação da cultura negra. No Quilombo do Grotão, ele promove aulas de capoeira gratuitas para a comunidade, além de rodas de jongo, samba e da tradicional feijoada. 
“Meu avô, que era descendente de escravos, recebeu esse sítio do dono da Fazenda Engenho do Mato, quando a mesma faliu, como pagamento pelos serviços prestados durante toda a vida. A Justiça considera a minha família uma comunidade tradicional quilombola e, por isso, resolvi abrir as portas do sítio para o resgate da cultura negra. Hoje, um jovem carente não tem condições de fazer uma aula de capoeira, que faz parte das suas raízes. Parte dos recursos arrecadados nos eventos é destinada aos projetos sociais”, explicou Renato do Quilombo. 
Escavações – Délcio Teobaldo está desenvolvendo, em parceria com a professora Martha Abreu, do Laboratório de História Oral da Universidade Federal Fluminense (UFF), um trabalho de resgate da cultura negra a partir das memórias do Valongo, antigo cais na zona portuária da cidade do Rio que servia de mercado para a comercialização de escravos, que tem ressurgido das escavações das obras para o Porto Maravilha. 
A professora Martha Abreu lembra que é preciso reconhecer que essa população de origem africana foi muito importante para o desenvolvimento do Brasil e que o sofrimento desse povo não pode ser esquecido. Ela ressalta que a modernização do Porto Maravilha não pode continuar a esquecer esse passado.  
“Em geral, a história das cidades acaba produzindo uma série de esquecimentos sobre o passado negro escravista. O Rio foi a maior cidade escravista das Américas e pouco se fala disso. Reconhecer que essa população foi muito importante para o Brasil e o seu sofrimento é fundamental. Quando não se fala desse passado, não é dada a devida importância que merece esse grupo da sociedade”, acredita a historiadora.
Umbanda nasceu em São Gonçalo

A demolição da casa da Rua Floriano Peixoto, em Neves, em outubro, chamou a atenção para a origem da religião Umbanda no Brasil. No endereço em São Gonçalo, morava a família de Zélio Fernandino de Morais, que em 1908, com 17 anos, se preparando para ingressar na Marinha, sofreu uma paralisia. Segundo relatos da época, ele um dia levantou da cama sozinho e foi aconselhado a trabalhar a mediunidade. Um amigo da família sugeriu uma visita à Federação Espírita do Estado do Rio, em Niterói. Zélio foi convidado a participar de uma sessão, tomando lugar à mesa.
“Se julgam atrasados os espíritos de pretos e índios, devo dizer que amanhã darei início a um culto. Será uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos”, teria dito Zélio, de acordo com os estudiosos da religião. 
O início da Umbanda, ou “manifestação do espírito para a caridade”, ocorreu em Neves, 18 anos após a emancipação política de São Gonçalo em relação a Niterói. Talvez esta seja a origem da confusão dos que apontavam Niterói como berço da Umbanda. 
Para o presidente da Sociedade de Artes e Letras de São Gonçalo e vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura da cidade, Alexandre Martins, a memória precisa ser preservada.
“O fato de a casa ter sido demolida é uma pena, mas não tira da cidade o marco de ser o berço de uma religião genuinamente brasileira e não impede que sejam feitas homenagens à Umbanda e sua cultura, que deve ser preservada. Os preceitos da religião visam o negro e o índio brasileiro”, lembra Martins. 
Muito começou por Abdias

Abdias Nascimento viveu o suficiente para ver muitos pontos das conquistas do movimento negro que ajudou a fundar. Pouco antes de morrer, aos 97 anos, em maio deste ano, o ativista esteve entre os convidados para o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no Rio, em março. 
“O fato de terem eleito um presidente negro é uma lição para o Brasil”, disse na ocasião.
No domingo passado, como último desejo, as cinzas de Abdias foram depositadas na Serra da Barriga, em União dos Palmares, Alagoas, palco da resistência de Zumbi.
Ex-senador fluminense pelo PDT, Abdias era suplente de Darcy Ribeiro e, com a morte do pedagogo, assumiu a cadeira entre 1996 e 1999, após ter ocupado o mandato interinamente em 1991. Antes, foi deputado federal pelo PDT (1983-87) e secretário de Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras do Estado do Rio de Janeiro, no Governo Leonel Brizola (1991-94). Depois, Abdias foi o primeiro titular da Secretaria Estadual de Cidadania e Direitos Humanos (1999-2000), no governo Anthony Garotinho.
Paulista de Franca, Abdias desde jovem lutou contra a segregação racial. Levou a luta para os versos, como poeta, e depois para o teatro. Em 1944, fundou o Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro, para onde veio concluir o curso de Economia. O TEN revelou nomes como o da atriz Ruth de Souza e inspirou outros grupos. 
Abdias organizou o 1º Congresso do Negro Brasileiro em 1950, apoiando sempre as lutas dos trabalhadores. Com o golpe de 1964, ficou nos EUA, aonde lecionou, escreveu livros e expôs os quadros que pintava. De volta ao Brasil, fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro). Por toda a trajetória de batalhas, ele teve seu nome indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 2010.
Homenagens – Na próxima quinta-feira, às 21h, os poemas de Abdias serão lembrados no projeto Corujão da Poesia, no Oi Futuro de Ipanema, no Rio. No dia 28, o autor também será homenageado, no Teatro Machado de Assis da Biblioteca Nacional, às 18h, no lançamento da coleção “Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica”. 
Maricá – Em uma proposta inspirada no esforço de Abdias Nascimento, o novo secretário municipal de Cultura de Maricá, Ricardo Cravo Albin, pretende transformar a Casa de Cultura da cidade no Centro do Negro Brasileiro, com um andar voltado para exposições de convergência da cultura negra e outra para exposições itinerantes. 
O projeto, que está sendo elaborado pela equipe responsável pela restauração da Casa Darcy Ribeiro, que fica no bairro da Barra, em Maricá, será executado e entregue no ano que vem. Na próxima sexta-feira, a casa de Cultura será sede de uma exposição sobre Abdias. 
Dia de comemorações

O Dia Nacional da Consciência Negra será celebrado hoje com diversos festejos e manifestações. Em Niterói, duas festas marcam a data. Uma delas será realizada na Praça Leoni Ramos, em São Domingos, pela Organização Cidadania e Movimento (OMC), e a outra festa vai ocorrer no Quilombo do Grotão, no Engenho do Mato.  
De acordo com a coordenadora da ONG OMC, Verônica Lima, para esta segunda edição do evento Viva Zumbi Niterói, a expectativa da organização do evento é de um público de mais de 2 mil pessoas. As celebrações começam às 12 horas, quando será servida uma feijoada de graça. 
Na sequência, se apresentarão grupos de jongo, hip hop, capoeira e pagode. A programação será fechada com uma roda de samba liderada pelo músico Marquinho Diniz, que entra às 19 horas, e, em seguida, pela bateria da Escola de Samba Unidos do Viradouro, às 20h30.
“É um evento festivo, mas tem um cunho de relembrar a história do símbolo da resistência negra contra a escravidão, Zumbi dos Palmares, e resgatar para a cidade diversas expressões da cultura afro-brasileira. A ideia do evento é fazer com que o Viva Zumbi Niterói entre no calendário permanente da cidade de Niterói”, espera a organizadora do evento. 
Feijoada - No Quilombo do Grotão, no Engenho do Mato, a feijoada também faz parte do cardápio da festa de comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra. O grupo Choro Malandro e uma roda de capoeira vão se apresentar no evento, que começa às 13 horas. O couvert artístico custa R$ 10. 

sábado, 12 de novembro de 2011

Justiça nega transferência de PMs acusados de matar Patrícia Acioli

O Ministério Público havia requerido a 

ida de Cláudio Oliveira e Daniel Benitez

 para um presídio federal




Cláudio Luiz de Oliveira, tenente-coronel da Polícia do Rio de Janeiro, durante uma operação no conjunto de favelas de Manguinhos
Cláudio Luiz de Oliveira, tenente-coronel da Polícia do Rio de Janeiro, durante uma operação 
no conjunto de favelas de Manguinhos (Pablo Jacob/Agência O Globo )

A Justiça do Rio negou o pedido do Ministério Público Estadual de transferência do tenente-coronel Cláudio Luiz de Oliveira, ex-comandante do 7º BPM (São Gonçalo), e do tenente Daniel Santos Benitez Lopes para um presídio federal. Oliveira é acusado de ser o autor intelectual da morte da juíza Patrícia Acioli e Benitez, um dos executores. O MP ofereceu denúncia criminal contra os 11 policiais envolvidos no assassinato da juíza no dia 10 de outubro. Na mesma ocasião também pediu a ida de Oliveira e Benitez para um presídio fora do Rio de Janeiro, em Regime Disciplinar Diferenciado. 

O juiz Peterson Barroso Simão, da 3ª Vara Criminal de Niterói, negou na quinta-feira a pedido do MP. Oliveira e Benitez permanecerão presos em Bangu I até o julgamento. Em outubro, o promotor Rubem José Bastos Vianna, titular da 7ª Promotoria de Justiça, justificou o pedido da transferência. “Os dois demonstraram periculosidade acima da média. Ocupam postos com inegável interferência nos fatos”, disse. Bastos Vianna chegou a destacar as fragilidades do sistema penitenciário do Rio de Janeiro, chamando o setor carcerário de vulnerável. 

Patrícia Acioli foi morta com 21 tiros no dia 11 de agosto em Niterói, no portão do condomínio onde morava. Em interceptação telefônica, Benitez chama de covardia as punições dadas por Patrícia a policiais do batalhão de São Gonçalo que camuflavam as execuções sob a alegação de serem autos de resistência. Na mesma conversa, Oliveira respondeu: “Covardia se combate com covardia”. Em seguida, o então comandante disse que a morte de Patrícia seria um grande favor.

Testemunhas- O juiz Peterson Barroso Simão marcou os depoimentos das 150 testemunhas de acusação e de defesa para os dias 9, 10, 11, 16, 17 e 18 de novembro. Durante esses dias, os 11 acusados também serão interrogados. As audiências serão realizadas no plenário do Tribunal do Júri, a partir das 9h. O Fórum de Niterói terá a segurança reforçada.
Habeas Corpus- No final do mês de outubro, a Justiça negou o habeas corpus impetrado em favor de Daniel Santos Benitez Lopes. A defesa do tenente alegou constrangimento na transferência de seu cliente do Batalhão Especial Prisional (BEP) para um presídio comum. O relator do processo, desembargador Valmir de Oliveira Silva, disse que a transferência foi efetuada pelo risco concreto de fuga.


CASO PATRÍCIA ACIOLLI

Caso Patrícia Acioli: 12 testemunhas foram ouvidas pela Justiça

Ex-comandante da PM, coronel Mario Sergio Duarte, foi primeira testemunha de defesa a ser ouvida pelo juiz Peterson Barroso Simão

Rio - O juiz Peterson Barroso Simão, titular da 3ª Vara Criminal de Niterói, ouviu nesta sexta-feira quatro testemunhas de acusação e a primeira arrolada pela defesa, o ex-comandante-geral da Polícia Militar do Rio, coronel Mario Sergio de Brito Duarte, no segundo dia das audiências de instrução e julgamento do processo sobre a morte da juíza Patrícia Acioli. Até o momento, 12 pessoas foram ouvidas pelo Tribunal de Justiça.
Dario Ferreira Leal, ex-secretário da juíza Patrícia Acioli, foi a primeira testemunha a ser ouvida. Segundo ele, que trabalhou com a magistrada desde 1998, ela sofreu inúmeras ameaças de morte que começaram quando ainda atuava na Comarca de Itaboraí. O servidor disse que a magistrada não costumava se intimidar, porém começou a se preocupar quando soube de ameaças envolvendo o nome do ex-comandante Cláudio Luiz Silva de Oliveira porque, segundo ela, ele pertenceria a uma milícia.
Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
Audiência de instrução deve durar até a próxima semana | Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
A segunda testemunha a prestar depoimento foi o 2º sargento do Serviço Reservado do 7º Batalhão de Polícia Militar (BPM), de São Gonçalo, Denildo Santos Correia. Ele afirmou que violaram o Portal da Segurança, que armazena dados sobre autoridades, para terem acesso às informações sobre a magistrada. Para o ato foi utilizada a senha de um sargento do 7º BPM.
O delegado federal Victor Cesar Carvalho dos Santos foi o responsável pela apreensão, próximo ao morro São José do Operário, em Jacarepaguá, das três armas utilizadas na execução da juíza. Nessa diligência, o delegado foi auxiliado por um informante de nome Antônio. Segundo o delegado, um dia após o assassinato da juíza, Benitez chamou dois moradores da Praça Seca, “Fafi” e “Dentinho”, para pegarem as armas do crime e levarem para a comunidade no Rio.
Ainda de acordo com o delegado, Antônio teria contado que um outro homem, conhecido por “Orelha”, teria dito que o tenente Benitez mandou  contratá-lo para matar um policial em São Gonçalo, utilizando uma das armas usadas para matar a juíza, a Colt 45, e deixá-la junto ao corpo. Este policial que seria assassinado, também responde a processo de auto de resistência na 4ª Vara Criminal de São Gonçalo. Para o delegado, o plano de Benitez, que não chegou a acontecer, seria uma forma de despistar o curso das investigações.
O delegado também informou que, ainda segundo o informante Antônio, para esta armação o tenente Benitez, que já estava preso na época, pediu auxílio ao sargento Ribeiro, do 15º BPM, de Duque de Caxias. O inspetor Ricardo Henrique Moreira, à época dos fatos lotado na 72ª Delegacia de Polícia, declarou em juízo que, nos três dias logo após o assassinato da magistrada, fez diligências particulares visando esclarecer a autoria do crime. 
Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
Acusado de mandar matar juíza, tenente-coronel Cláudio Luiz foi visto rindo durante o julgamento nesta quarta | Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
O policial disse que percorreu os vários roteiros que a juíza fazia de sua casa ao fórum de modo a verificar onde havia câmeras para recolher imagens; que foi pessoalmente ao cartório no sábado, dia 13 de agosto, para buscar os mandados de prisão dos PMS que tiveram a prisão decretada no dia da morte da juíza para levá-los ao Batalhão; e também que se ofereceu para prestar depoimento na Delegacia de Homicídios, responsável pela apuração da execução, relatando tudo o que conseguira apurar; como também convenceu a advogada Ana Cláudia Abreu a colaborar com as investigações. “Fiz tudo por me sentir moralmente obrigado a ajudar a elucidar o crime. Busquei incansavelmente em memória da juíza”, afirmou.
O ex-comandante-geral da PM, coronel Mario Sergio, foi a quinta testemunha a depor nesta sexta-feira. Em seu depoimento, Mario Sergio destacou que não é amigo pessoal do coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira e que o seu primeiro contato com ele foi, em 1989, quando os dois participaram do curso de operações especiais da Polícia Militar. 
“Não tenho uma relação pessoal no sentido de que não sei onde ele mora, não freqüento a casa dele e não conheço seus filhos”, declarou. Duarte contou ainda que, quando assumiu o comando da Polícia Militar, desde um primeiro momento, fez diversas trocas de comando nos batalhões e que, em outubro de 2010, convocou o coronel Cláudio Luiz, então subdiretor do Hospital da PM de Niterói, para comandar o 7º BPM por sua habilidade operacional numa tentativa de conter a criminalidade em São Gonçalo.   
Os réus Cláudio Luiz Silva de Oliveira, Daniel Santos Benitez Lopez, Sérgio Costa Junior, Jovanis Falcão Junior, Jeferson de Araújo Miranda, Charles Azevedo Tavares, Alex Ribeiro Pereira, Junior Cezar de Medeiros, Carlos Adílio Maciel dos Santos, Sammy dos Santos Quintanilha e Handerson Lents Henriques da Silva acompanharam os depoimentos. As audiências de instrução e julgamento continuam na próxima quarta-feira, dia 16, a partir das 9h, quando serão ouvidas outras testemunhas de defesa.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

06/11/2011 - 11:30h

Cinegrafista da Band morre com tiro em favela do Rio

O cinegrafista da TV Bandeirantes Gelson Domingos da Silva, atingido no peito por um tiro durante confronto entre traficantes e policiais na favela de Antares, na zona oeste do Rio, chegou morto à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Santa Cruz, às 7h40 deste domingo.
Segundo a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Gelson tinha "perfuração de bala na região do tórax". A nota diz que "foram feitas tentativas de reanimação, sem sucesso". A secretaria de saúde informa ainda que o corpo do cinegrafista foi transferido para o Instituto Médico Legal (IML).
O objetivo da operação que levou 80 policiais militares à favela de Antares, por volta das 6h deste domingo, não foi informado pela Secretaria de Segurança, que tampouco confirmou se há outros mortos e feridos em consequência do tiroteio.
"O repórter cinematográfico foi atingido no peito em pleno exercício de sua profissão", confirmou nesta manhã, o Grupo Bandeirantes, que lamentou a morte do profissional. Segundo a nota, ele "foi atingido "por um tiro de fuzil, provavelmente disparado por um traficante", durante a operação, na qual "o funcionários estava de colete à prova de balas - modelo permitido pelas Forças Armadas, sempre usado por profissionais da Band em situações como esta". Gelson Domingos tinha 46 anos.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O roubo da cabeça do Tiradentes

Todos conhecem a história da Inconfidência Mineira e seu trágico final. Nosso relato se restringe ao destino da cabeça de Tiradentes.

Depois de morto por enforcamento, ele teve seu corpo esquartejado e colocadas as partes nos locais por onde ele havia passado e falado de suas idéias de liberdade. Era a resposta do governo. Que ninguém mais ousasse se levantar contra a rainha de Portugal! A cabeça, troféu maior, foi salgada, levada para Vila Rica e colocada em uma gaiola presa numa estaca. Era o dia 12 de maio de 1792. No centro da Praça de Santa Quitéria, hoje Praça Tiradentes, ela deveria ficar até que “o tempo a consuma”.

Esse fato ocorreu com grande aparato. Tropas de Dragões se postaram enfileiradas, impondo a ordem e dando um caráter oficial ao evento. O povo se amontoava a certa distância para ver o horrível espetáculo. Na Câmara Municipal os políticos proferiam discursos exaltando Sua Majestade e maldizendo o “traidor” Tiradentes, que recebera um castigo merecido. Que isto sirva de lição a outros subversivos que ousarem se voltar contra nossa querida rainha D. Maria I!

E assim se passou. Amaldiçoado pelas autoridades, olhado com temor e admiração pelo povo, Tiradentes cumpriu a sua sina. À tardinha, todos se recolheram às suas casas, e a praça se esvaziou por completo.

À noite, ninguém costumava sair, pois a luz dos lampiões era muito fraca e todos tinham muito medo de bandidos, assassinos ou até mesmo de almas penadas. Tudo era silêncio na Praça de Santa Quitéria. Não havia viv’alma por ali. Apenas uma neblina baixa passava lenta, tapando a pouca visão da praça.

Pois nessa fria e escura madrugada a cabeça do Tiradentes foi roubada e escondida em algum lugar onde ninguém jamais a encontrou. Livrou, dessa forma, o alferes da desgraça de ter sua cabeça apodrecendo, em plena praça pública.

Alguns dizem que a cabeça foi embalsamada e colocada numa urna de pedra hermeticamente fechada depois de ser preenchida totalmente com ouro em pó e enterrada em local desconhecido.

Outros dizem que a cabeça foi roubada por um monge. Ele a guardava numa caixa e retirava de vez em quando para meditar diante dela. Meditação sobre a vida e a morte.

Uma terceira versão diz que Tiradentes tinha uma admiradora que, aproveitando-se da confusão estabelecida na praça, sumiu com a gaiola. Sua escrava ficou distraindo o soldado, que era o seu guardião, dando-lhe cachaça para beber. O destino dela ninguém sabe dizer.

A cabeça original nunca apareceu, mas uma réplica surgiu na Praça Tiradentes, dentro de uma gaiola, sobre um poste, 200 anos depois. Foi quando se homenageou, nessa data, o herói nacional e patrono da Polícia Militar mineira, Tiradentes.

As autoridades planejaram uma festa à altura. Tropas de Dragões saíram a cavalo do Rio de Janeiro pela Estrada Real e foram se revezando pelo caminho.  Homens e cavalos eram trocados até chegarem a Ouro Preto, onde os festejos em praça pública aconteceriam.

A escola de arte local havia providenciado réplicas em gesso do corpo do Tiradentes e da sua cabeça. As partes, braços e pernas foram colocados em pontos estratégicos de todo o centro da cidade. Eram tantas que dariam para formar uns sete corpos. A intenção era impressionar. Pintaram com tinta vermelha nos lugares dos cortes e a tinta fresca ainda pingava pelo chão dando a impressão terrível de ser sangue.

A cabeça foi colocada numa gaiola sobre um poste fincado no centro da Praça Tiradentes bem à frente da estátua do mártir da independência. A banda da Polícia Militar tocou acordes em homenagem ao grande herói nacional. A praça estava cheia, flores foram colocadas aos pés da estátua do Tiradentes, cantou-se o Hino Nacional e os discursos das autoridades exaltavam a grande figura do alferes, exemplo de patriotismo. Terminada a festa pública, a praça foi se esvaziando, a tarde foi caindo, tudo escureceu. Era noite fria de maio. A praça, agora mais iluminada que há 200 anos antes, tinha ainda o mesmo aspecto macabro.

Naquela noite, uma galeria da cidade havia feito a vernissage de uma exposição sobre Bené da Flauta, extraordinária figura popular que aqui viveu e atuou nos anos 70. Tal evento reuniu artistas e intelectuais e várias pessoas da comunidade, ávidas de recordações dos áureos anos 70 em Ouro Preto.

Lá pelas cinco horas da manhã, dois artistas plásticos da cidade, Gelcio Fortes e José Efigênio Pinto Coelho, chegaram à praça, vindos da exposição. Viram então a incrível cena da praça escura, com a neblina fria se movendo, iluminada pelas luzes dos monumentos públicos com a cabeça do Tiradentes lá no alto do poste, dentro da gaiola.

- Essa cabeça não pode amanhecer aqui! Disse o José Efigênio.

- Ela foi roubada há 200 anos e não amanheceu na praça. Já está quase amanhecendo. Temos que roubar esta cabeça!

O Gê, muito aflito, tentou demovê-lo da idéia, argumentando ser aquela uma festa de militares e autoridades. Qualquer loucura que se fizesse iria acabar mal. Mas não adiantou. O José Efigênio já estava lá no beco do Pilão à procura de uma escada que não encontrou. Decidiu então sacudir o poste, no que foi ajudado pelo Gê. Tanto fizeram que a cabeça caiu, mas ficou presa por uma corda. E agora? O que fazer? Havia uns mendigos dormindo aos pés da estátua do Tiradentes e com eles conseguiram um canivete com que foi cortada a corda. A cabeça se espatifou no chão. Era de gesso e ainda estava meio mole. Apressados e nervosos, pois o dia já clareava, os dois juntaram os cacos da cabeça e colocaram na Brasília bege do Gê.

Seguiram para a casa do José Efigênio e bateram à porta. Eram quase seis horas da manhã. Foram atendidos pela esposa dele sonolenta e atordoada com as novidades. Os dois entraram levando os cacos até o fundo do quintal, cavaram um buraco e enterraram a prova do crime. Ninguém viu nada, ninguém sabe de nada e, como há 200 anos atrás, ninguém sabia quem havia sido o autor do roubo da cabeça do Tiradentes. Promessa selada, cada um foi descansar em sua casa, pois a noite havia sido muito longa.

Mas a paz durou pouco. Às nove horas, aproximadamente,a polícia estava na porta da casa do Gê e depois foi a vez do José Efigênio. Ainda sonolentos, os dois artistas foram levados à delegacia.

O delegado era homem vaidoso, vestia-se à moda sertaneja, com cinturão de fivela com cara de cavalo, calça apertada com gorgorão nas laterais, uma camisa xadrez e botas de salto alto.

Ao interrogar nossos artistas, o homem foi duro. Acusou-os de haver roubado um bem público. Aquela cabeça havia sido doada à Polícia Militar e eles foram pegos em flagrante. Algumas pessoas, esperando ônibus do outro lado da praça, viram tudo, anotaram a placa do carro e ligaram para a polícia denunciando o roubo. O carro foi encontrado e com restos de gesso. Não havia como negar, as provas estavam ali.

José Efigênio ainda tentou explicar ao delegado que eles só haviam repetido o feito histórico de 200 anos atrás, mas o delegado não sabia nada de história e nem queria saber.

A coisa estava nesse ponto quando passou por ali o vereador Flávio Andrade, e quis logo saber o que estava acontecendo. Ciente da situação, levou o José a casa dele onde desenterraram a prova do crime. Aproveitaram para pegar um livro onde estava escrita a história do roubo da cabeça. Telefonaram para o diretor da Escola de Artes que os tranqüilizou dizendo que tinha outras cabeças de Tiradentes.

De volta à delegacia, onde havia permanecido o Gê, mostraram ao delegado o livro e pediram que telefonasse ao diretor da Escola de Artes. O delegado assim o fez e ficou sabendo que existiam outras cabeças e que o roubo fazia parte das comemorações.

Soltos, os dois foram colher os frutos de sua louca ação.

De manhã, pessoas que passaram pela praça, vendo a gaiola vazia pensaram:

- É Ouro Preto não tem jeito. É terra de vândalos, não respeitam nada.

Outros tiveram reação oposta, como a funcionária do Museu da Inconfidência que, ao abrir a janela, viu a gaiola vazia e suspirou aliviada pensando:

- Enfim alguém roubou a cabeça do Tiradentes. Era assim que tinha de ser.  O vereador amigo disse que ficou com inveja, ele gostaria de ter sido o autor do roubo da cabeça.

Na rua, por onde passavam os dois artistas eram cumprimentados por todos. A cidade inteira sabia o que tinham feito através da rádio ou dos cochichos. A maioria havia aprovado. Era a resposta do povo ao autoritarismo de todos os tempos.
                                            
(Texto adaptado do livro “Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto”, de Angela Leite Xavier).