quinta-feira, 18 de novembro de 2010



Carlos Ramires da Costa (1963 - ????), o "Carlinhos"







Quem era criança no começo dos anos 70 com certeza viveu um pouquinho sob a sombra do “caso Carlinhos”, o desaparecimento do menino Carlos Ramires da Costa, então com 10 anos, seqüestrado no dia 2 de agosto de 1973 e nunca mais localizado.
A polícia carioca, já então tão competente quanto hoje, apresentou três diferentes “culpados”, em sucessão, mas nenhuma das acusações colou.
O pai do menino acabou se tornando o principal suspeito, e alguns anos mais tarde um sujeito que trabalhava com o empresário João Melo da Costa chegou a ser condenado pelo seqüestro (a condenação foi revertida posteriormente).
Trinta anos mais tarde, um cara de Bauru foi apontado como potencial “Carlinhos”, mas os exames de ADN não confirmaram a suposição.

Apesar de todos os esforços do governo militar pra fazer com que o país parecesse jóinha, era uma época tensa.
Mesmo para as crianças, ou talvez especialmente para as crianças, era fácil perceber que a situação não era tão sorridente quanto nos diziam.
Não é que a gente tivesse qualquer percepção política de que as coisas andavam erradas, claro. Mas os anos 70 com certeza foram uma década propensa a pesadelos.
E um caso como o do Carlinhos apertava todos os botões de pânico no inconsciente da pimpolhada. (E mais ainda entre os pais.)
Que um menino bonitinho, sorridente e descabelado como o Carlinhos pudesse
desaparecer sem deixar traço era quase como que uma confirmação das lendas urbanas que as mães de todas as eras gostam de nos empurrar goela abaixo – o bicho papão, o homem do saco, o delegado Fleury, o pessoal do Extreme Makevoer.

O caso causou comoção nacional... não sei se porque na época aconteciam menos barbaridades desse gênero, ou se porque não se podia falar sobre as outras.
Talvez a obsessão nacional quanto ao paradeiro de Carlinhos fosse uma expressão inconsciente da preocupação de todo mundo com os desaparecidos cujos nomes não podiam ser ditos.
Ou talvez todo mundo temesse e pressentisse que viveríamos para sempre à sombra de muitos “casos Carlinhos”, e que, por repetição, não nos deixaríamos abalar tanto pela futura recorrência daquele pesadelo.
Eu não sabia, então, que crianças desapareciam, que crianças vinham desaparecendo ao longo de todo o século – no genocídio dos armênios, no Holocausto, no Gulag, pulverizadas por bombas atômicas ou liquefeitas por incendiárias.
O Carlinhos me ensinou embora eu viesse a demorar mais uns 10 anos pra saber que sabia sobre a enorme precariedade de todas as coisas que quando inocentes consideramos sólidas e garantidas.


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